terça-feira, 30 de setembro de 2008

Lapso ideológico e poeticidade equivocada em Fight Club (EUA, 1999)

Inferirmo-nos-emos à Idade Média, século XIV, d.C. Não que isto signifique que a intenção deste trabalho seja o palmilhar do sacrossanto ao zero patafísico. Nenhuma intenção catequética ou boçal se avizinha. Tanto é verdade que nossa metodologia não é a comparação ou o método associativo senão a tranpopecção disjuntiva, definida por KONIG (1998) em seu famoso livro homônimo. Não apenas Yurg KONIG trabalha nesta linha mas o pós-estruturalista inglês Alfred B. Burtlost também fez, pouco depois de Marshall McLuhan, em laboratórios dos departamentos de comunicação e linguagens da Universidade de Cambridge, estudos que definem transpopecção disjuntiva como um aposto às idéias de transcodificação e transmutação onde a matriz de análise nunca é tomada como tal posto que o objeto de estudo não é senão uma ilusão referencial. A princípio tais idéias nada tinham a ver com os estudos em Semiologia e Nova-Hermenêutica e sim com a evolução dos processos lógicos e analógicos e vice-versa. Cremos ser de vital importância mirarmos a problemática por esta lente visto que, em nossos estudos, ao pesquisar as fontes remotas de nosso objeto de análise – o filme Fight Club (EUA, 1999, 139min.) – encontramos em sua arqueologia própria, três camadas de seus processos: a mais rasa, de transmutação fílmica de obra literária, a segunda, de transcriação apropriativa e a terceira e última de escatologia satírica. Esta última, mais profunda como é, situacionada como é, leva-nos ao passado: o alto medievo e suas tardias manifestações carnavalizadoras e sarristas. Dito isso, os propósitos primeiros de nossa análise a saber, a discussão ideológica e a identificação das questões da modernidade baudelairiana no filme de David FINCHER (1999) são subvertidos. Congregatio onis Pugna O filme Fight Club é baseado numa obra literária homônima cujo autor Chuck PALAHNIUK (1997) desenvolve e adapta um enredo que não é e nunca foi criação sua. Podemos dizer que o trabalho maior nesta senda tríplice foi mesmo o do diretor David FINCHER (1999), pois que o cinema é um outro meio. Aliás, é uma obra de arte hiperexecutável e em nosso caso mais ainda, pois que aqui se pode entender de fato o que GREIMAS (1978) queria dizer com o tal percurso gerativo de sentido. Dizemos isso, pois o obscuro, subversivo e indexado (de Index, lista dos livros proibidos pela Inquisição) Ziegfried ZUMPFKOPULE (1974) nunca imaginou que sua obra alcançaria a balbúrdia pós-moderna. PALAHNIUK apropriou-se de uma estória sem dar-lhe os devidos créditos. Seu livro é inteiro adaptado deste conto medieval não muito famoso. Somente após o sucesso do filme de FINCHER é que ficamos sabendo das origens remotas e não creditadas de sua trama. O enredo estava praticamente pronto desde o século XIV, com todas as subversões e idéias. PALAHNIUK trocou os nomes, atualizou as filosofias, deu cara nova aos conflitos e entregou-nos seu texto. Os créditos mesmos estão com o autor original do quatrocento alemão. Invertendo a idéia do flaneur de Baudelaire, é a obra deste medieval que passeia pela nossa época nos pregando peças tal qual um menestrel. Estamos a falar do Corvus Corax et Congregatio Onis Pugna. O percurso que essa obra fez até chegar aqui, o que ela significa e o que dela foi transmutado é no mínimo constrangedor. Sua leitura faz-nos refletir sobre a relevância das discussões sobre a modernidade e suas ideologias. Como uma obra medieval pode ser plagiada não é o que nos espanta, mas sim a atualidade da

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narrativa. Parece-nos sacrílega, mas não é. Suas idéias também não são o que mais nos apetecem e sim sua estrutura de composição. Escrita em forma de tríptico, típico do medievo, apresenta-nos uma configuração fabular em que cada ação de um personagem é dirigida a uma idéia filosófica e daí a um símbolo religioso até as representações clássicas da iconografia cristã. Os membros da Congregatio fazem parte de uma confraria de artesãos e guarda-armas revoltosos que alteram as imagens sacras de algumas capelas e basílicas. Cada uma destas alterações provoca frison e confusão na corte e na cúria clerical. Isto porém não significa que suas ideologias sejam modernas. Expliquemos. Seria absurdo supor que as ideologias políticas do mundo atual estavam na base de influência do texto de ZUMPFKOPULE (1974). Seu livro conta-nos a estória de uma organização medieval formada por subversivos confrades do reino da Bavária que, depois de um excitante carnaval resolvem atacar a nobreza e o clero num engenhoso plano de luta e insubordinação. Para isso espalham mentiras pelo reino e alteram as pinturas das capelas e catedrais próximas, terminando por soterrar, em dia de Corpus Christi, bispos, condes e barões sobre a armadilha de um teto-cúpula engenhosamente traidor. Absurdo para um texto medieval? Não é novidade que a alta Idade Média produziu textos satíricos e blasfemos. Mesmo Bakhtin, teórico marxista, pesquisou e encontrou textos do medievo que debochava das Escrituras Sagradas e pintores que representavam um mundo às avessas como Brueghel e Yeronimus Bosch, mesmo àquela época. Portanto é bobagem falar em qualquer ideologia subversiva ligada ao materialismo histórico como o marxismo se aqui as preocupações ainda estão presas ao neo-platonismo, ao nominalismo e às sutilezas metafísicas. Lapso ideológico Neste ponto o medievo é muito parecido com a pós-modernidade. Umberto Eco dirá que a Idade Média, por causa do cristianismo e sua teologia, é simbólica por excelência e semiótica, portanto. Georges DUBY (1998) em seu livro Ano 1000, ano 2000 traçou inclusive paralelos surpreendentes sobre ambos períodos. O filme Fight Club levanta questões que não são e nem nunca foram da modernidade, outrossim, do repertório pós-moderno. SANTOS (1984) afirma que a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki é o marco deste período e que a revolução eletrônica dos anos 60 é sua consagração. SANTAELLA (2004) dirá que as máquinas eletrônicas deste período são chamadas de sensórias ou simbólicas, pois produzem e reproduzem signos, imitando nossos órgãos do sentido. Certamente que o flaneur de Baudelaire jamais entrou em contato com este mundo. Sua experiência é primitiva. A maquinaria com que interage é dos primórdios da revolução industrial. São máquinas “viscerais” e “musculares”, de substituição da força física humana. Nem de perto despertavam as mesmas questões que os eletroeletrônicos pediam. Mesmo politicamente, a Idade Média, diferente das monarquias absolutistas subseqüentes ao período, tinha por princípio de governo a soberania limitada dos reis – pois o poder temporal e divino estava mesmo era com o papa – e com isso elaborou esboços de constitucionalismo e representatividade. Este é o lapso ideológico na interpretação de Fight Club. Há luta de classes no filme, isto é inegável mas, como afirma BERMAMN (1995) Marx erra ao atribuir ao proletariado urbano a operacionalidade da revolução. O filme evoca a imagem dos ativistas atuais que nada tem de marxistas clássicos ou de proletariado revolucionário do início do século. São ativistas éticos, culture jammers, participantes do reclaim the sreets, ativistas hackers, estudantes universitários, combatentes de logos, vigilantes corporativos da Internet, revolt bloguers, zapatistas transfonteiras (aqui no Brasil o maior movimento revolucionário está no campo como estes), guerrilheiros das artes, movimentos marginais ligados à cultura underground. Poderíamos até supor que “seu” marxismo é “anônimo”, althusseriano, de pretensão estrutural e científica, bem longe das

Lapso Ideológico - continuação - 3a.parte

realidades do cotidiano miserável. Estão próximos sim, dos problemas do urbanóide metropolitano típico, dos habitantes dos grandes centros e dos revoltados com as grandes corporações, as grandes marcas, a propaganda, e o consumismo. Mesmo MARX (1983) chegou a afirmar o seguinte em uma de suas cartas póstumas: Es muß haben einen Betrug in der strengen Abteilung zwischen links und rechtem und in, wem das protagionista der Revolution ist. Ich fürchte, daß das Kapitalismus ekvasivem, Automobil-comisseravischem und verbesserndes ist. Wenn folglich es ist, Jeeing von uns sein und ich erreiche nicht, um Ausgang zu sehen einige (MARX, 1983, p.34) – (Tradução: “Deve haver um engano na divisão estrita entre esquerda e direita e em quem será o protagonista da revolução. Temo que o capitalismo seja evasivo, auto-comisserável e regenerativo. Se assim for, estarão zombando de nós e não vejo saída alguma” MARX, 1983) Sendo assim, podemos afirmar que se na obra de ZUMPFKOPULE (1974) o marxismo não existia e que na modernidade ele está praticamente remodelado e para alguns até superado e, ainda, se o próprio Marx tem dúvidas, poderíamos supor que para esta interpretação as ideologias do século XIX são um erro. Esquerda e direita é atualização jacobinista das mais ignóbeis. Ater-se aos seus conceitos é o mesmo que amarrar-se às respectivas filosofias do século retrasado, sem as atualizações necessárias. Mas em nosso obscuro texto já se vêem esboços de subversão. Na obra Corvus Corax et Congregatio onis Pugna o protagonista Jacobus, um comerciante judeu, une-se ao menestrel Cioran Tirolescus para colocar em prática seu plano subversivo. Mesmo que haja uma preocupação estética do personagem – que alterava pinturas sacras e resignificava sua simbologia por meio dos falsos boatos e estórias fantasiosas – as metáforas – e é possível tomá-las como uma espécie de pictorialização das próprias “ideologias” - são substituídas por inflexões que beiram o disforme, a transparência e o realismo cruel. Nosso filme em questão é pós-moderno e lida com as mesmas questões. O cinema clássico dos anos 20 aos 50 possuíam uma exatidão simbólica e até cenas de sexo eram substituídas por metáforas como a chegada de uma cavalaria ou tiros de canhões de guerra. Os filmes de Hitchcock, da fase do cinema maneirista, exploravam a imagem como miragem, a pictoria enganadora, os planos subjetivos e a farsa de uma pulsão escópica freudiana. Neste filme, outro elemento pós-moderno é inserido: o hiper-realismo. E isto atrapalha a identificação ideológica de seus presupostos. Resta-nos a desconfiança pois assim como o catolicismo introjetou e assimilou a rebeldia carnavalesca, dando-nos a quarta-feira de cinzas, o filme em questão leva em seus créditos a sua desconcertante capitalista: EUA. Auto-comisseração à vista! Somos obrigados a concordar com Marx aqui: se o capital tem este poder auto-comisserável e regenerativo, estamos perdidos. A análise dos personagens aumenta nossa frustração. Sabemos apenas que Tyler Durden, protagonista e id de Jack - tal como Jacobus e Cioran, que evocam constantemente e de modo sacrílego a proteção de São Cosme e Damião – é contra as estruturas disciplinares de comando, recusa as organizações coercitivas do trabalho social, recusa o trabalho e quer autonomia dos próprios trabalhadores. Cosme e Damião são dois santos gêmeos e subversivos. O didimismo – fato de as pessoas nascerem gêmeas – era visto com desconfiança pelos medievais. Sinal de contrafação e engano, acreditavam que um gênio ruim havia-os duplicado no ventre materno. O dídimo (gêmeo) era a imagem da contrariedade. Jacobus e Cioran Tirolescus se parecem. São sósias. Pasmem: Assim como os protagonistas de Corvus Corax eram contra a idéia de castigo divino, Tyler, numa atualização surpreendente desta idéia, é contra a disciplina. Aqui vemos um lapso de ideologia. Historicamente, a disciplina está ligada à modernidade e à revolução industrial, pois é nela que se estabelece a jornada de trabalho, o horário comercial, o tempo de produção, as leis trabalhistas e os

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códigos proletários. A pós-modernidade enxerga nossa época como uma era pós-disciplinar e, portanto, está próxima à idéia do autor de Corvus. Os pecados capitais são atualizados por FINCHER no filme. Jack tem uma sensação de incompletude. Aliás, este é o seu discurso inicial. O filme não fala sobre ira, preguiça, inveja, soberba, avareza, gula e luxúria como a obra de ZUPFKOPULE mas sim, de suas atualizações: consumismo, conformismo, despudor, sexomania, sociopatia, denegação e vazio. As ações e as falas dos personagens revelam isso. Vejamos: A propaganda põe a gente para correr atrás de carros e roupas. Trabalhar em empregos que odiamos para comprar merdas inúteis. Somos uma geração sem peso na história, sem propósito, sem lugar. Não temos uma guerra mundial, nem grandes depressões. Nossa guerra é espiritual. Nossa depressão são nossas vidas, fomos criados através da televisão para acreditar que um dia seríamos milionários ou estrelas de cinema. Mas nós não somos. Aos poucos vamos tomando consciência disto. E estamos muito putos. [...] Você não é seu emprego. Nem quanto ganha ou quanto tem no banco. Não é o carro que dirige, nem o que tem na carteira, nem as roupas que veste. Você é a merda ambulante do mundo (FINCHER, 1999). Essas preocupações não são, como vimos, reinvidicações proletárias ou propostas revolucionárias para populações miseráveis. São, outrossim, reflexões de pós-yuppes, urbanóides taciturnos da classe média de grandes centros desenvolvidos. As questões de Jacobus e Cioran eram próprias das confrarias e não da plebe ignara. Poeticidade equivocada Com tais falas reveladoras. o Tyler Durden de FINCHER une, como Cioran de ZUPFKOPULE, preocupação ética com rearranjo estético. A poeticidade do filme revela-se por esta via, mas não só: equivoca-se quem pensa localizá-la ao nível do enunciado, pois ela está mesmo é no campo do discurso. O trabalho dá-se em sua sintaxe. Assim como nas recitações satíricas de textos das escrituras durante as festividades do carnaval o jogralista medieval fazia inserções engraçadas ao texto sacro, assim também faz o filme pra explicar o distúrbio dissociativo de Jack e a atuação de Tyler. Personagem estético e subversivo, Tyler rouba gordura humana de lipoaspiração de clínicas de estética para produzir sabonetes para as damas da sociedade. Trabalha também como projetista de filmes em cinemas onde altera os rolos, emenda fotogramas com imagens pornográficas sem que ninguém perceba e, ainda “tempera” as comidas de um luxuoso hotel com seu xixi e peido enquanto trabalha como garçom. É este ato de Tyler, de remontar filmes e inserir suas “sátiras” que é transposto do enunciado (enredo) ao discurso fílmico (edição, montagem). Aqui está o poema: no nível imagético. Sem que ninguém perceba, subliminarmente, há fotogramas inseridos pelo filme todo. Tyler, como se sabe, é uma ilusão criada pelo personagem principal, Jack. Podemos dizer que é o id de Jack. Personagem idílico do próprio David FINCHER, pois que elabora um palimpsesto (Palimpsesto era um texto em pergaminho de couro em que se raspavam o texto de baixo para escrever outro texto por cima, geralmente um reaproveitamento por falta de material para a escrita) ao inserir tais imagens e escrever por sobre outro texto, portanto. O filme insere três aparições de Jack e uma imagem de um nu masculino. Listamo-nas na decupagem abaixo: Tempo Descrição da cena 03: 23 Tyler aparece atrás do balcão de xerox. 05: 40 Tyler aparece atrás do médico durante uma consulta de Jack. 06: 55 Tyler aparece atrás do mediador do grupo de ajuda freqüentado por Jack. 1’37: 57 Cena final: homem nu, âmera baixa, imagem à altura do pênis. A arte como montagem foi anteriormente definida pelo cineasta Sergey Eisenstein mas a bricolage, a inserção satírica, o ornamento dispensável e o apêndice desnecessário é da estética pós-moderna. A alegoria medieval mesmo não-crível nunca foi dispensável. Talvez neste filme também não seja. Mesmo avesso às metáforas ao mostrar a crueza da violência, ela cumpre seu papel

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metafórico como no texto do Corvus Corax et Congregatio onis Pugna que também traz tais inserções. O texto ora se transforma em subtexto e ora em iluminura. Derepente surgem desenhos, alguns até sacrílegos como um pênis e um Cristo com flatulências.Essas inserções estão por todo o texto e lembram as traquinagens que Tyler Durden faz com os filmes que projeta e não só: FINCHER também brinda-nos com suas contribuições. Vejamos as imagens: O Corvus Corax et Congregatio onis Pugna não é o único texto a fazer tal coisa no final da Idade Média. Muitos autores como Rabelais e Dante já faziam isso. Veja o Gargantua e Pantagruel e teremos a prova. Na cena final do filme, David FINCHER brinda-nos com a satírica imagem abaixo de um homem nu. No momento em que Jack e Marla assistem os altos edifícios do grande centro financeiro da cidade ruírem com as bombas terroristas do grupo Clube da Luta, aparece a imagem abaixo, congelada no instante em 1’37’’57: É nos dito que Freud levantou o homem de onde Santo Agostinho o derrubou: na questão sexual. Não há como olhar para esta cena final e não considerarmos seu aporte freudiano. No livro de KUMPFKOPULE há várias referências satíricas a filósofos neo-platônicos e agostinianos. Isto talvez signifique uma revolta semelhante à metafísica clássica. Tanto o filme quanto a obra medieval avançam sobre essa temática, a do instinto pulsional humano. A agressividade da luta é a mesma do impulso sexual, diz Freud em Mal estar na civilização. A inserção subliminar do homem nu revela a temática dos instintos reprimidos. È uma imagem constrangedora como constrangedor eram os comentários dos menestréis. É algo não resolvido na natureza humana: o sexo e a violência. Confiamos que a revolução sexual nos traria a revolução política. Esta opção desvanece-se diante de um capitalismo auto-comisserável, regenerativo, altamente simbólico e fetichizado. A única opção é a flodagem, o hackeamento, o boicote, o aternative style e o terrorismo. Contra as grandes marcas, os grandes signos, só há opções que perpassam pela cópia, pelo plágio, pela pirataria, pela remontagem, pela pixação, pela mentira insertiva, pela alteração coreldrawiana ou photoshopiana e se nada der certo, o extreme make-over da “lição” terrorista: RECONSTRUÇÃO TOTAL. O terrorismo agora é a arma das organizações subversivas atuais. Anônimo e althusseriano, lyotardiano ou como seja o tal, Marx previu isso? Conclusão Curiosamente, tal qual uma profecia, Jacobus e Cioran destroem a cúpula de uma catedral e soterram seus desafetos. Congregatio onis Pugna significa, em latim, “congregação do punho (do soco, da luta)”. Revelador como é, Yurg KONIG diria paradoxalmente que mesmo assim isto não significa nada. Bibliografia BARBOSA, J.A. As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986. BERMAMN, M. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1988. DUBY, G. Ano 1000, ano 2000. São Paulo: Martins Fontes, 1998. GREIMAS, A.J. Dicionário de Semiótica. S.Paulo: Zahar, 1973. KONIG, Y. Das trennende Transpopectzion. Hanover, ALE: Kurfüstenhof Athenborg Edicionisttater, 1998. MARX, K. Posthumous Buchstaben. Berlim, ALE: Zorgbeist, 1983 PALAHNIUK, C. Fight Club. Portugal: Edições 50, 1996. SANTAELLA, L. Cultura e artes do pós-humano: da cultura de mídia à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2003. SANTOS, J.F. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1984. ZUMPFKOPULE, Z. Corvus Corax et Congregatio onis Pugna. 14a. ed., 6a. reimp. Sttutgard, ALE: Zunk Regio Forma, 1974. Filmografia FINCHER, D. Fight Club. /filme/Eua, 1999. color. Son. 139min. 35mm.

Cena final do filme Clube da Luta (Fight Club)

Todos deveriam ler isso!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Dizem que esse texto é do Arnaldo Jabor. De qualquer modo, acho muito oportuno: Leiam!
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O IDIOTA E A MOEDA

Conta-se que numa cidade do interior um grupo de pessoas se
divertia com o idiota da aldeia. Um pobre coitado, de pouca inteligência,
vivia de pequenos biscates e esmolas.
Diariamente eles chamavam o idiota ao bar onde se reuniam e
ofereciam a ele a escolha entre duas moedas: uma grande de 400 REIS e outra
menor de 2.000 REIS.
Ele sempre escolhia a maior e menos valiosa, o que era motivo de
risos para todos.
Certo dia, um dos membros do grupo chamou-o e lhe perguntou se
ainda não havia percebido que a moeda maior valia menos.
Eu sei, respondeu o tolo. "Ela vale cinco vezes menos, mas no dia
que eu escolher a outra, a brincadeira acaba e não vou mais ganhar minha
moeda".

Pode-se tirar várias conclusões dessa pequena narrativa.
A primeira: Quem parece idiota, nem sempre é.
A segunda: Quais eram os verdadeiros idiotas da história?
A terceira: Se você for ganancioso, acaba estragando sua fonte de renda.
Mas a conclusão mais interessante é: A percepção de que podemos
estar bem, mesmo quando os outros não têm uma boa opinião a nosso respeito.
Portanto, o que importa não é o que pensam de nós, mas sim, quem realmente
somos.
O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante de
um idiota que banca o inteligente.

Arnaldo Jabor.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Luxo Morreu!!!!

O luxo morreu! Foi esta a constatação que fiz quando perguntei a uma vendedora ambulante, qual era o preço de uma bolsa Louis Vuitton, versão falsificada. Por certo não esperava que custasse cara. Achei-a bonita, pois tratava-se de falsificação de um ícone da famosa marca francesa, cor marrom-tabaco e acabamento em couro. Aliás, nem esperava que fosse couro de verdade, mas a contra-resposta da vendedora me derrubou das tamancas: “Qual delas o senhor quer? Aquela ali da ‘Luiz Vitão’?”. Estava preparado para tudo, menos isso. Não se espera que um ambulante, vendedor de produtos falsificados, tenha uma pronúncia impecável do francês, mas “Luiz Vitão” é demais. Durante uma visita informal à “feirinha da madrugada” em São Paulo, é possível fazer uma reflexão séria sobre os caminhos do luxo e das grandes marcas atuais. Lugar muito conhecido das sacoleiras daqui do interior e das revendedoras de produtos falsificados, a feira é pródiga em produtos baratos e de procedência duvidosa. O preço é o grande atrativo e confirma-se como tendência mundial, não só com relação aos produtos dos famosos camelôs, mas também com os produtos das famosas marcas de luxo.

Segundo pesquisas recentes, realizadas pelas mais prestigiadas firmas de consultoria de negócios do mundo como a McKinsey ou a Eurostaf e os periódicos de negócios como a revista Business Week, é verdade que, atualmente, as marcas de luxo estão mais preocupadas em vender para muitos do que para uma reduzida clientela exclusiva. Estudos empreendidos desde a década de 1990 confirmam isso. Elyette Roux, autora do livro O Luxo Eterno (Companhia das Letras, 2005) diz que “a clientela dos anos 1980 consumia marcas de luxo ‘custe o que custar’; a dos anos 1990 já não queria comprá-las ‘a qualquer preço’, mas a dos anos 2000 exigia que os produtos tivessem qualidade e preço acessível. Roux é professora do Instituto de Administração de Empresas de Aix-em-Provence, na França e especialista em marketing e gestão de marcas de luxo. Ela confirma em seu livro as pesquisas que mostram um consumidor atual preocupado com o “value for money”, o famoso “valor agregado”, simbólico, afetivo e emocional. As pessoas gostam de identificar seus valores e aspirações nos produtos que compram e não só: os querem acessíveis. Depois da criação dos prêt-à-porter de luxo, que nada mais são que as conhecidas roupas “prontas para usar”, versão luxuosa, de tamanhos P-M-G (pequeno-médio e grande) das lojas de departamentos, o luxo nunca mais foi o mesmo. Marcas italianas e alemãs, de qualidade tão comprovadas quanto as francesas, são vendidas à quatro vezes mais baratas que estas. Essa concorrência acirrada entre as grifes de luxo alterou suas gestões internas e suas lógicas de mercado. Formaram-se grandes blocos comerciais e muitas delas uniram-se entre si constituindo verdadeiros mega-grupos-financeiros do luxo. A Louis Vuitton uniu-se às famosas marcas de champagne, relógios, jóias e até conhaque, transformando-se na poderosa LVMH (Louis Vuitton-Möet-Hennessy). Aliaram-se à Möet et Chandon, Krug, Veuve Clicquot, Canard duechêne, Ruinart e Mercier, e também à Pommery, mais recentemente, bem como à Tag Heur, depois à Ebel, Chaumet, grupo Swatch e Hennessy. A Prada comprou a Jil Sanders e a Church. A Chanel uniu-se às marcas Azzaro e Montana, Thierry Mugler e à Colbert. Perfumaria e Alta Costura são vendidas juntas agora. A Armani comprou o grupo L’Oreal, Procter&Gamble, Unilever e também a Shiseido e Lauder. São tantos e tão variados os produtos vendidos por essas marcas que já está se formando uma concorrência preocupante de produtos de farmácia (de luxo) com marcas populares famosas como o grupo Colgate e Tylenol. A banalização do luxo, proporcionada pelas mega-fusões, pelo gerenciamento financeiro que transformou a produção artística e artesanal de algumas marcas em verdadeiras indústrias deluxe, baratearam a tal ponto as manufaturas de grife, que é possível ver faxineira ostentando um Prada. Isso sem falar nas falsificações empreendidas pelo mais novo gigante financeiro: A China. Como chegamos a tal ponto? Voltemos ao passado. Tentaremos identificar a origem do Luxo nas sociedades antigas e compreender por que foi banalizado.

É possível encontrar manifestações do luxo desde as sociedades primitivas. Mesmo em uma época onde o alimento era raro, a fome uma realidade e o frio intenso, o luxo se fazia presente. Não o encontramos apenas em sociedades tecnologicamente desenvolvidas. Ele existe antes dos homens criarem as artes civilizatórias, a agricultura e a pecuária. Manifestava-se no enfeite, na festa, na largueza de espírito e no desperdício. Pense nos habitantes do período neolítico: levavam uma vida medíocre. Moravam em casa feita de palha, vestiam poucas roupas e tinham uma péssima higiene. Mesmo assim, em certas épocas do ano havia abundância material, comiam bastante em festas, gozavam o tempo livre e obtinham provisões sem grandes esforços muitas vezes. Nesta época não era o “esplendor material” o signo maior do luxo, mas a “ausência de previdência”. Mesmo hoje, é assim: deve haver mentalidade de delapidação para haver luxo. O filósofo Gilles Lipovetsky, autor do livro O Império do Efêmero (Companhia das Letras, 2002) afirma que “luxo não é ter muito, mas sim, viver uma vida larga, pródiga e generosa”. Algumas tribos da Melanésia praticam até hoje um ritual chamado de Kula que consiste em demonstrações de desperdício e ofertas de presentes entre si. Indígenas viajam às ilhas vizinhas para oferecer colares, braceletes , etc à outras tribos. Faziam uma espécie de “guerra simbólica”, tipo gincana de colégio, onde a permutação e o regateio eram usados como “arma”. Ganhava quem desperdiçava mais e oferecia mais presentes.

Com o aparecimento das civilizações egípcias e mesopotâmicas, e a conseqüente criação do Estado, o luxo se hierarquiza. Aparece agora como diferenciação classista. Os reis do Oriente e os faraós do Egito constroem templos, mausoléus e pirâmides gigantescas. Adornam seus palácios e a si mesmos com ouros e pedras preciosas. Luxo agora é sinônimo de entesouramento. Os reis ajuntam para si tesouros e mais tesouros. É importante lembrar contudo que uma coisa não anula a outra: agora, além de desperdiçar e fazer festas regaladas, deve-se guardar e conservar. Max Weber, sociólogo, afirma que “o luxo não é supérfluo – serve para manter a ordem social desigual”. Para isso os reis entesouravam.

Com a ascensão da burguesia, ao final da Idade Média, surge uma nova forma significativa de luxo: aquele que é fruto do talento e do trabalho. Os burgueses enriquecem com o comércio e igualam suas fortunas à dos nobres. A burguesia, ávida por reconhecimento e prestígio, imitam a classe social imediatamente superior. Copiam a nobreza em tudo, inclusive nas roupas. É por esta época inclusive que aparece a moda. O círculo vicioso das imitações é colocado em funcionamento já que a classe emergente imita a aristocracia e, estes, para diferenciarem-se, alteram seus modos e hábitos e são novamente imitados pelos burgueses e assim por diante. As engrenagens da moda são acionadas e não só: a burguesia corre atrás de cultura e obras de arte, símbolos da ostentação e do reconhecimento nobiliário. Os novos ricos tornaram-se mecenas patrocinadores de grandes artistas do Renascimento e do Barroco. Mandavam pintar igrejas e construir túmulos e lápides financiadas com suas fortunas. Possuir uma obra de arte assinada por um grande pintor ou escultor era a representação embrionária mais próxima do que chamamos hoje de “grife”. A assinatura do artista dava status à família que o patrocinava e imortalizava sua memória. Vejam por exemplo o logotipo do automóvel da Citröen Xsara-Picasso. Os caracteres “Picasso” reproduzem a assinatura do grande pintor cubista espanhol. O luxo aqui é desclericalizado pois não está mais relacionado aos ritos sagrados nem aos reis-divinos. O burguês exigia do pintor que patrocinava a pintura de retratos dele e da família. Tal atitude consistia em uma das características do luxo do período como o individualismo. Luxo agora, além de desperdício e entesouramento, é fruto do trabalho e do talento além de expressão do individualismo humanista.

O nome do criador nos produtos de luxo consolida-se com o aparecimento dos estilistas. Até aqui vemos o luxo como elemento pertencente aos reis, príncipes e aos abastados. Esta é a fase aristocrática do luxo, como bem diz Lipovetsky. Após a revolução industrial, no entanto, o luxo irá se “democratizar”entre a classe média. Aparecem os Grandes Magazines e com eles as promoções e o barateamento dos produtos. Mesmo assim, o desperdício e o excesso são indispensáveis. Não se deixa de gastar com o desnecessário e nem de acumular, mesmo que pouco. O luxo democratiza-se antes de banalizar-se. Sua banalização ocorreu recentemente com a globalização, a pós-modernidade virtualizante, onde o plágio, a cópia, a mentira insertiva vale tanto quanto o “original”. Um mundo cintilante em magia monumental e mercantil, fez com que os menos favorecidos socialmente também sonhassem com os “luxos grand-fines”. A compra de empresas pequenas, detentoras de marcas populares, o estabelecimento de “segundas-linhas” para as marcas famosas e até a pirataria e a falsificação foram as grandes responsáveis pela “banalização” do luxo.

Desde que Tom Ford assumiu o comando da moda mundial, substituindo Yves Saint Laurent, houve uma mudança significativa no mercado de luxo mundial. Laurent representava o passado, o luxo artístico e os ateliês de oferta, que produziam as coisas quase que artesanalmente e para poucos clientes. Ford, por outro lado, veio para mudar isso; inaugurou o futuro, o luxo de marketing e a lógica de mercado no mundo da moda. O qualitativo foi substituído pelo quantitativo. As empresas produzem aos montes peças que, antes, eram consideradas raras e exclusivas. Como exemplo podemos citar a BMW e a Mercedes que venderam 900 mil automóveis só no ano de 2001. Quase um milhão de unidades cada uma. As marcas famosas fazem promoções, parcelam em até quatro anos pois querem vender. Cada vez mais pessoas adquirem artigos de luxo. Todos querem o direito a ele. O luxo, hoje, não está mais à serviço de uma imagem de classe, mas sim, de uma promoção de imagem pessoal. Parece até, em alguns casos, que virou “obrigação”.

As promoções e o seu barateamento “viciaram” tanto os consumidores que mesmo os abastados não querem pagar muito caro por ele. A consagração da virtualidade pela Internet e do mundo virtual pelos jogos eletrônicos criaram um sentimento de que “nada é o que parece”. Se antes uma criança ostentava um brinquedo caro ganhado em época de Natal ou aniversário, hoje a criançada diverte-se com jogos e artefatos de uso coletivo como é o caso das casas de jogos ou lan-houses. Parece-nos que atualmente o importante não é a “posse”do objeto e sim a “interatividade”. Do mesmo modo como as crianças em seu universo, os adultos não precisam mais ter dinheiro ou desperdiçá-lo para ser admirado como detentores do luxo. Pode-se apenas “parecer rico”. Esta é uma manifestação dos tempos pós-modernos em que se é possível viver de glamour sem de fato ser muito abastado para isso. Sai-se facilmente de uma Mercedes comprada em sessenta vezes, com uma parcela do seguro vencida, usando um terno Armani comprado em promoção de fim de estação, perfumado com uma versão mais barata de um parfum famoso e entrar numa das maiores casas noturnas de São Paulo como a Pachá com o convite vip que uma amiga sua que trabalha lá dentro consegui para você depois que esperneou na frente dela por isso e quase teve um treco, uma semana antes.

Slavoj Zizek, conhecido intelectual de esquerda da atualidade, tem uma teoria interessante sobre a banalização do luxo pela pirataria e a falsificação: diz-nos o teórico que o trabalho dos falsificadores e dos camelôs e sacoleiras pode ser comparado aos dos pensadores comunistas. Explica-se: como estes não conseguiram derrotar o capitalismo e acabar com as sociedades de classes, a falsificação dos produtos faz isso, pois ela irrita as grandes empresas e os grandes conglomerados econômicos pois que se aproveitam de suas “grifes”, construídas com muito esforço publicitário e marketing e de quebra, socializa a posse dos artigos de luxo desejados pelos menos abastados, mesmo que sejam falsos. Alguns pensarão ser isso uma grande besteira. Tão grande quanto à que me disse a vendedora ambulante: “O senhor vai levar a bolsa ‘Luiz Vitão’?”.

Augusto Vasconcelos Neto é professor de História da Moda do curso superior de Moda da

Unirp em São José do Rio Preto-SP e faz mestrado em Comunicação pela Unimar, Marília-SP.

Leituras sugeridas:

O Império do Efêmero, de Gilles Lipovetsky (Cia das Letras, 2002)

O luxo eterno, de Gilles Lipovetsky e Elyette Roux (Cia das Letras, 2005)

Do brega ao emergente, de Carmen Lucia José (Marco Zero/Nobel, 2002)