terça-feira, 30 de setembro de 2008

Lapso Ideológico - continuação - 4a.parte

códigos proletários. A pós-modernidade enxerga nossa época como uma era pós-disciplinar e, portanto, está próxima à idéia do autor de Corvus. Os pecados capitais são atualizados por FINCHER no filme. Jack tem uma sensação de incompletude. Aliás, este é o seu discurso inicial. O filme não fala sobre ira, preguiça, inveja, soberba, avareza, gula e luxúria como a obra de ZUPFKOPULE mas sim, de suas atualizações: consumismo, conformismo, despudor, sexomania, sociopatia, denegação e vazio. As ações e as falas dos personagens revelam isso. Vejamos: A propaganda põe a gente para correr atrás de carros e roupas. Trabalhar em empregos que odiamos para comprar merdas inúteis. Somos uma geração sem peso na história, sem propósito, sem lugar. Não temos uma guerra mundial, nem grandes depressões. Nossa guerra é espiritual. Nossa depressão são nossas vidas, fomos criados através da televisão para acreditar que um dia seríamos milionários ou estrelas de cinema. Mas nós não somos. Aos poucos vamos tomando consciência disto. E estamos muito putos. [...] Você não é seu emprego. Nem quanto ganha ou quanto tem no banco. Não é o carro que dirige, nem o que tem na carteira, nem as roupas que veste. Você é a merda ambulante do mundo (FINCHER, 1999). Essas preocupações não são, como vimos, reinvidicações proletárias ou propostas revolucionárias para populações miseráveis. São, outrossim, reflexões de pós-yuppes, urbanóides taciturnos da classe média de grandes centros desenvolvidos. As questões de Jacobus e Cioran eram próprias das confrarias e não da plebe ignara. Poeticidade equivocada Com tais falas reveladoras. o Tyler Durden de FINCHER une, como Cioran de ZUPFKOPULE, preocupação ética com rearranjo estético. A poeticidade do filme revela-se por esta via, mas não só: equivoca-se quem pensa localizá-la ao nível do enunciado, pois ela está mesmo é no campo do discurso. O trabalho dá-se em sua sintaxe. Assim como nas recitações satíricas de textos das escrituras durante as festividades do carnaval o jogralista medieval fazia inserções engraçadas ao texto sacro, assim também faz o filme pra explicar o distúrbio dissociativo de Jack e a atuação de Tyler. Personagem estético e subversivo, Tyler rouba gordura humana de lipoaspiração de clínicas de estética para produzir sabonetes para as damas da sociedade. Trabalha também como projetista de filmes em cinemas onde altera os rolos, emenda fotogramas com imagens pornográficas sem que ninguém perceba e, ainda “tempera” as comidas de um luxuoso hotel com seu xixi e peido enquanto trabalha como garçom. É este ato de Tyler, de remontar filmes e inserir suas “sátiras” que é transposto do enunciado (enredo) ao discurso fílmico (edição, montagem). Aqui está o poema: no nível imagético. Sem que ninguém perceba, subliminarmente, há fotogramas inseridos pelo filme todo. Tyler, como se sabe, é uma ilusão criada pelo personagem principal, Jack. Podemos dizer que é o id de Jack. Personagem idílico do próprio David FINCHER, pois que elabora um palimpsesto (Palimpsesto era um texto em pergaminho de couro em que se raspavam o texto de baixo para escrever outro texto por cima, geralmente um reaproveitamento por falta de material para a escrita) ao inserir tais imagens e escrever por sobre outro texto, portanto. O filme insere três aparições de Jack e uma imagem de um nu masculino. Listamo-nas na decupagem abaixo: Tempo Descrição da cena 03: 23 Tyler aparece atrás do balcão de xerox. 05: 40 Tyler aparece atrás do médico durante uma consulta de Jack. 06: 55 Tyler aparece atrás do mediador do grupo de ajuda freqüentado por Jack. 1’37: 57 Cena final: homem nu, âmera baixa, imagem à altura do pênis. A arte como montagem foi anteriormente definida pelo cineasta Sergey Eisenstein mas a bricolage, a inserção satírica, o ornamento dispensável e o apêndice desnecessário é da estética pós-moderna. A alegoria medieval mesmo não-crível nunca foi dispensável. Talvez neste filme também não seja. Mesmo avesso às metáforas ao mostrar a crueza da violência, ela cumpre seu papel

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